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21
Ago20

Debate entre dois próximos

publicado por júlio farinha

   Os jovens, alguns jovens, surpreendem-me cada vez mais. Um destes dias fui "interpelado" por uma jovem próxima, familiarmente falando, que me queria fazer umas perguntas sobre política, sobre sociedade, sobre muitas coisas importantes para ela  e para mim..Confessou-me, o que já sabia, que nunca votou e que a sua participação em manifestações anti racistas e cívicas que já tinha frequentado não a satisfaziam pois, segundo ela, estava incomodada com a ascenção das correntes nazis, fascistas e populistas em Portugal, bem como com um certo demissionismo de grande parte da população jovem em relação à coisa pública. Queria saber mais para agir melhor e levar outros jovens a uma consciencialização política que não permitisse o regresso a ditaduras. A minha tarefa era exigente como exigentes eram as questões que me poria.

   Não recusei o debate, mas confesso que no decorrer do mesmo me senti por vezes embaraçado perante as dúvidas que me eram dirigidas. Queria a jovem que fosse sincero, transparente, e que não escondesse cada lado das questões não fugindo às dificuldades. Pediu-me ainda para não fazer do meu discurso um  repositório planfetário, conhecedora das minhas convicções. Fazia, assim, ela apelo à minha honestidade, à clareza, à imparcialidade e ao bom senso. Por isso, não fugi às questões mais difíceis e rendi-me antecipadamente às ideias objectivas, claras e distintas - como dizia Descartes. 

   A minha jovem amiga era a primeira a dar o exemplo e pensava as questões antes de as formular, pesando cada palavra, medindo o alcance da ideia para a qual precisava de resposta.

   Enumeram-se, assim, alguns tópicos do debate. Ela precisava de saber, sem rodeios, o que era o totalitarismo, qual a sua relação com fascismo e se se pode dizer que todo o regime comunista é totalitário. Neste caso, o que é que distingue o fascismo do comunismo. "Expliquei" o melhor que pude, mas não deixei de lhe dizer que há regimes totalitários que são comunistas (Coreia do Norte) e que outros não o são obrigatoriamente. Por outro lado, todo o regime fascista tende a ser totalitário (Mussolini) e lá fui discorrendo sobre aquilo que caracteriza tais entidades: o culto do chefe, as milícias, a falta de liberdade de imprensa, a polícia política, etc.

   A jovem quis saber também se Marx tinha algo a ver com a derrocada da URSS. Disse-lhe que de Marx até Stalin e a Gorbachov ia uma grande distância. Aqui, falámos da corrupção e divergimos ao considerar a mesma uma coisa inata ao ser humano.Disse-lhe que são as organizações, o poder e o dinheiro que corrempem e que nas sociedades primitivas não havia propriamente corrupção. E que esta, embora já existisse, era diminuta na Grécia Antiga.

   Calava-me, a tempos, para lhe dar a palavra.Levou-me até à China e à curiosa existência de dois regimes, passando pela revolucionária longa marcha de Mao Tsé Tung que no século passado instaurou a maior República Popular do mundo num país de camponeses - tal com havia feito em 1917 na Rússia Lénine.

   Tivemos assim que regressar a Marx e "concordar" que Marx se "enganou" ao prever que as revoluções socialistas e o próprio comunismo teriam lugar em países industrializados com um proletariado forte. A palavra de ordem: "Proletários de todos os países, uni-vos" devia de acentar em partidos comunistas que levariam o resto do povo à abolição de todas as classes sociais.

   O pai da Revolução Russa, Lenine, haveria de prever um período de transição entre socialismo e comunismo a cargo de uma figura "temível" para a burguesia a que apelidou de "ditadura do proletariado" .Esta forma de transição era necessária enquanto existissem classes. Ora, é sabido que, por exemplo, na maior parte dos países socialistas nunca chegou a haver tal transição pelo que o comunismo nunca chegou aí a nascer verdadeiramente. "Então, eu quero ser de esquerda e partilhar o comunismo,  tal como Marx o concebeu", afirmou a jovem que mostrou grande simpatia pelo ditado de Marx enquanto jovem e que reza assim. "Ser radical é arrancar as coisas pela raíz."

   Passámos por Cuba, por Che e por Fidel e não escondi à minha interlocutora a minha simpatia por essa trindade, onde e por quem Marx foi, a meu ver, mais fielmente interpretado.

   No fim, ao sabor de uma taça de vinho branco alentejano, tivemos tempo de voltar a Marx, o filósofo, e tocar nalguns escritos icónicos que falam do dinheiro- do qual somos escravos. Referindo-se ao "Capital" - essa obra eterna e inacabada, dizia Marx: " Nunca ninguém falou tanto de dinheiro e com tanta falta dele" .

   Mais tarde, revimo-nos, como acontecia amiúde, na praia onde é Nadadora Salvadora. Dirigi-me a ela chamando-a revolucionária. " Não" - e como se esperasse mais de si ,retorquiu - "só sou anti fascista e simpatizo com Marx".

 

  

 

 

    

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