O dinheiro é o ópio do rico
Karl Marx, que a troco de uma intensa vida de trabalho intelectual, praticamente gratuito, não nadava em riqueza, disse um dia: " Nunca ninguém escreveu tanto sobre o dinheiro tendo tanta falta dele". Sua mãe, que não partilhava a paixão pelos ideais do filho, desabafou em jeito de azeda e cínica resposta: "Em vez de escrever O Capital, mais valia que o produzisse."
Shakespeare, por sua vez, designaria o dinheiro por "vil metal". Esta é uma das expressões mais felizes e certeiras para atribuir ao citado condimento do capitalismo. A vilania está na redução das necessidades humanas ao poder de um fetiche, de uma entidade perversa de cariz sobrenatural, mágica e trágica.
Tanto os pobres como os ricos são escravos desse fantasma. Para os despossuídos, ele é o senhor absoluto. Significa escravidão. Submissão. O vil metal é o feiticeiro da discórdia e da infelicidade no lar do pobre. Casa onde onde não há pão , todos ralham e ninguém tem tazão.
Para os possuidores, o dinheiro representa uma prisão construída à custa dos pobres. O rico é vítima da desonra da exploração a que sujeita os que nada ou pouco têm, coisificando aquilo que devia ser enobrecido: o trabalho Ele está preso à condição de quem depende dos bens que o dinheiro compra. O dinheiro é o ópio do rico. A bancarrota de um rico é a sua perdição, a sua própria morte. Pois, ele é o dinheiro e os bens que possui. E o dinheiro não tem alma.
O vil metal é necessário? A resposta é não. Podíamos viver sem ele? Sim. Historicamente, o nosso antepassado sobreviveu e era feliz enquanto colector, caçador, pastor e agricultor. Colhia da natureza o que lhe fazia falta e trocava excedentes e produtos entre si.
É isto uma visão simplista, romântica e idealista? Provavelmente. Mas não faz mal irmos às origens – lá onde se vivia em simbiose com a natureza e havia respeito pelos próprios animais que se caçavam. Havia então,empiricamente,a noção que hoje não temos de que o planeta é frágil e exige cuidados nossos.
A ciência multidisciplinar que hoje existe dá como provável o colapso, porque insustentável a prazo, dos sistemas sociais, políticos e económicos que temos. A história conhece períodos de revisitação e actualização do passado, como foi o caso do Renascimento - tão fértil em cultura, ciência e humanidade.
Preparemos os vindouros na revisitação da felicidade perdida e na antecipação do futuro refeito. Para além deste tempo, outros tempos derivados virão. Novos, feitos hoje a partir dos velhos. É que toda a antiga e madura sociedade, ao caír sob o desenlace dascontradições em que se envolveu, dá necessariamente origem a uma sociedade de nível superior. É uma questão de tempo e da acção dos homens. Como tão bem disse Ortega & Gasset: eu sou eu e as minhas circunstâncias. (*)
(*) Esta citação foi-me recordada pelo blogue de P.P. no seu perfil. Obrigado.