A Fé e a Razão
A fé é um sentimento humano. Só o homem é capaz de acreditar. Os homens têm crenças diversas mas aquela que, geralmente, é para nós a mais nobre é a que diz respeito ao sobrenatural.
Os crentes têm como verdadeira a existência de um ente ou algo que está para além de nós e que, de certo modo, supervisiona as nossas acções, a nossa existência.
Para os não crentes, os deuses ou objectos de culto são criações humanas.
Os nossos primitivos antepassados animistas acreditavam que tudo na vida e na natureza tinha uma alma ou espírito. Fossem animais, plantas, rochas, serras, rios ou corpos celestes.
No mundo do sobrenatural e dos deuses, as entidades correspondentes manifestam-se ao mundo dos vivos e estes convocam aqueles através de rituais para deles obterem benefícios.
As mais célebres e ricas mitologias da antiguidade mais recente no mundo ocidental são a grega e a romana. Quem não sabe que para os gregos Afrodite era a deusa da beleza e do amor, Zeus era o pai de todos os deuses, Atena era a deusa da sabedoria e Apolo o deus da luz?
A tendência histórica foi a da humanidade se ir separando das religiões politeístas e converter-se às crenças e práticas monoteístas. Hoje, entre as religiões de um deus único estão o Cristianismo e o Islamismo.
A Razão, por seu lado, tem coexistido, ao longo dos tempos, com a Fé ora aproximando-se, ora afastando-se radicalmente desta.
Em traços gerais, podemos dizer que a Razão é uma faculdade humana que prescinde em grande medida do recurso ao uso de entidades estranhas ao intelecto para se afirmar autonomamente no processo do conhecimento. A Razão, diz-se, é uma característica distintiva no mundo animal. Trabalha com conceitos e é mestre do raciocínio.
A Razão, tal como a Fé, procura chegar à verdade. No entanto, a Fé no seu exercício, torna-se dogmática e raramente é seguida pelos cientistas no processo investigativo. Os preceitos da Fé não são discutíveis, são para seguir, aceitar e não lidam bem com o contraditório. A Razão, afirmam os seus defensores, é livre, humanamente produtiva e superior. “Quanto mais de si o homem atribui a Deus, menos lhe resta” (L. Feuerbach).
Para os materialistas filosóficos a ferramenta privilegiada para a descoberta científica e para a condução de si mesmo na vida é a Razão.
A Fé e a Razão são duas possibilidades humanas de ver o mundo. Uns, escolhem a primeira, outros, a segunda. E há quem conjugue as duas. Napoleão perguntou uma vez ao grande cientista Laplace porque não tinha ele mencionado uma única vez na sua Opera Celeste o nome do Criador, ao qual este respondeu: “não tinha necessidade dessa hipótese”. Para o astrónomo, Deus era apenas uma possibilidade de que não carecia para estabelecer a sua teoria científia sobre o universo.
Não significa isto que não tenhamos convicções e emoções que nos completam enquanto pessoas. A Fé dá conforto ao espirito quando nos sentimos perdidos ou inseguros perante a extraordinária diversidade e grandiosidade do universo.
Por vezes, quando a ciência não foi capaz de sossegar o nosso sofrimento físico ou psíquico em virtude, por exemplo de doença grave, inclino-me a considerar justificada a aproximação a um espírito omnipotente, imanente à matéria universal - mater de todas as coisas - capaz de minorar a nossa pena. É que o homem não é apenas razão, é um ser muito complexo e delicado que possui aquilo que, embora em desuso, se chama espírito.