Ensinar como aprendemos
Ensinar é transmitir conhecimentos e desenvolver aptidões. Pressupõe um mestre, ou quem ou o que as suas vezes fizer. Logicamente, quem ensina fá-lo a alguém. O mestre domina o conhecimento, o aluno encontra-se no estado de relativa ignorância face à matéria a transmitir. Então, no acto de ensinar, existe um esforço de transmissão e um esforço de recepção. Tanto o mestre como o aluno trabalham para promover a ignorância ao estado do saber, da competência.
Há que clarificar que não há ensino pelo ensino, nem se ensina tudo de uma só vez. Quem ensina, ensina algo a alguém, sendo necessário caracterizar o sujeito da aprendizagem, bem como o objecto ou conteúdo a aprender.
Aprender matemática, por exemplo, exige clarificar previamente que parte dela se vai tratar e planear todos os factores que intervêm na acção da aprendizagem. Ao mestre, exige-se que domine os conteúdos a ensinar e esteja de posse de métodos e técnicas apropriados, bem como o domínio de processos adequados de comunicação tendo em conta o sujeito a quem se ensina. A matemática exige um especial esforço de compreensão da sua linguagem e respeito por regras próprias. Após o processo contínuo de compreensão e memorização das regras, pede-se ao aluno que exercite, que aplique o material teórico, resolvendo muitos exercícios. Errando, corrigindo, criando autonomia nos processos de progressão no domínio dos conteúdos e situações problemáticas. A matemática , seguindo estes caminhos, torna-se um jogo.
Vamos fazer um exercício com um menino de três ou quatro anos. Vamos ensinar-lhe a contar até cinco. Elevemos uma das nossas mãos fechada e convide-se o menino a fazer o mesmo. Libertemos um dedo, por exemplo o mindinho, e convidemos o menino a imitar-nos. Pronunciamos devagar: UM. O menino repete várias vezes, seguindo-nos. De seguida, liberte-se o dedo seguinte (anelar) e dizemos: DOIS. Repetimos várias vezes ao mesmo tempo que o menino. Este procedimento prossegue até ao número cinco. Quando o menino tiver decorado a sequência dos números naturais de 1 a 5, recorremos à ajuda da teoria dos conjuntos, na sua forma elementar, para levar o menino a identificar 5 subconjuntos que possuam, sucessivamente, um, dois, três, quatro e cinco elementos, para desfazer o "dogmatismo" da contagem memorizada e aprender a trabalhar os números em concrecto.
Numa folha de papel, desenho um círculo e lá dentro pinto uma bola. Pergunto ao menino quantas bolas estão dentro da linha circular. Espera-se que responda: UMA. De seguida, desenho outro círculo e lá dentro pinto duas bolas. Pergunto: quantas bolas estão dentro? Espera-se que responda: DUAS. E assim sucessivamente. Se houver erros, voltamos ao exemplo dos dedos, até que o menino acerte. Se quisermos, podemos chamar a atenção da criança que se dê conta que pimeiro vem o um, juntando-lhe outro um dá dois, juntando outro um ao dois dá três, etc.
Aprender a andar de bicicleta não tem nada de abstracto, nem há intervenção deliberada da memória, como a conhecemos, da matemática. Não se trata de uma operação que envolva regras de cálculo conscientes. Então, não há nada de comum entre aprender matemática e aprender a andar de bicicleta? Há uma coisa muito importante em comum: a repetição. No segundo caso, a repetição não é exactamente do mesmo tipo que a do primeiro. Aprender a andar de bicicleta mobiliza competências motoras e de equilíbrio físico e emocional que se afirmam numa prática de meia dúzia de dias. Ambas as aprendizagens perduram no tempo. Quem aprendeu uma vez a andar de bicicleta, não se esquece mais. Quanto à matemática, por ser construída numa memória mais volátil, sofre, ao longo dos anos de inactividade, de alguma erosão. Mas quem aprendeu bem matemática um dia, não se torna inábil sem mais nem menos.
Tive um professor de Lógica que, na sua erudição, nos ensinou uma coisa tão simples como verdadeira: "só a repetição nos dá conhecimento em profundidade" (M. Lourenço). Seja no ensino da Matemática, de uma língua estrangeira, da Física, na aprendizagem da circulação em bicicleta ou no exercício competente de qualquer ofício.
Se aprendemos bem como nos ensinaram, então talvez não haja nada para inventar: ensinemos como aprendemos.